26 de agosto de 2023

A Grande Farra

    Estamos no século XIX. Eu e você somos boticários na cidade, recebemos inúmeras queixas de mães angustiadas com os choros ininterruptos de seus bebês. Uma hora são os dentes nascendo, noutra estão com dor de garganta e terríveis acessos de tosse. As diarréias também são frequentes nos pequenos, mas nós temos uma solução milagrosa - dos sonhos, por assim dizer.

    O xarope tranquilizante da Sra. Winslow era, realmente, uma solução dos sonhos: morfina e álcool. A morfina - cujo nome deriva do deus grego dos sonhos, Morfeu - é um anestésico, depressor do sistema nervoso central. Daí a ação anestésica e relaxante, inclusive no intestino, controlando a diarréia. Entretanto, a morfina enquanto derivada do ópio, é extremamente viciante e potencialmente fatal para crianças, mesmo em pequenas doses. Façamos pesquisas por alternativas, certo.

    O ano é 1895 e os químicos da farmacêutica alemã Bayer, Felix Hoffman e Heinrich Dreser, acabam de sintetizar uma nova molécula a partir da problemática morfina, a diacetilmorfina, na promessa de que esta seria menos danosa - heróica. A heroína, então, adentra o mercado como substituta da morfina em xaropes para tosse, bronquite e pneumonia. Não muito tempo depois os consumidores perceberam que os efeitos colaterais, dentre eles a dependência, não só não haviam sido resolvidos, como foram agravados, fazendo com que pesquisas fossem conduzidas a esse respeito que, mais tardiamente, resultariam na retirada do produto do mercado. 

    A história da farmacovigilância teve início em 1848, com o caso da jovem inglesa Hannah Greener. Ainda que àquela época fosse uma área ainda em desenvolvimento, os mecanismos que a compõem como conhecemos já estavam sendo aplicados. Atualmente, ambas personagens da história estão sob pesquisa, mas não mais no papel de vilãs (nem heroínas, com perdão do comentário) e sim como coadjuvantes no tratamento de dependentes químicos e cuidados paliativos, por exemplo.

    E, aí? Conhecia essa história, ou alguma parecida? Comente aqui embaixo.

Fontes:

Fornasier G, Francescon S, Leone R, Baldo P. An historical overview over Pharmacovigilance. Int J Clin Pharm. 2018 Aug;40(4):744-747. doi: 10.1007/s11096-018-0657-1. Epub 2018 Jun 15. PMID: 29948743; PMCID: PMC6132952.

Berridge V. Heroin prescription and history. N Engl J Med. 2009 Aug 20;361(8):820-1. doi: 10.1056/NEJMe0904243. PMID: 19692694.




4 comentários:

Amanda e Alyssa disse...

Leitura incrível! Não conhecia a história, mas são a partir de relatos assim que conseguimos enxergar o quanto a farmacovigilância é imprescindível nos dias de hoje, podendo dar uma garantia maior pra população em relação a detecção de efeitos adversos,a possíveis problemas relacionados a medicamentos, medicamentos de baixas qualidades, entre outras questões.
Assim como essa história, os drops de cocaína se assemelham á situação, onde eram usados para acalmar dores de dente tanto infantis quanto adultas,entretanto, podiam levar a dependência e euforia.

Fonte: http://profissaobiologa.blogspot.com/2014/04/o-passado-da-medicina.html?m=1

Anônimo disse...

Leitura maravilhosa, gostei muito de conhecer essa história, sabemos que o papel da farmacovigilância funciona atualmente como uma estratégia de vida em nossa sociedade, com essa leitura podemos refletir que em meio a tantas tragédias envolvendo medicamentos, foi que pudemos desenvolver essa sabedoria, passamos a adotar a saúde como um dever e o medicamento como um valioso recurso. A farmacovigilância é como uma engrenagem entre os medicamentos, o corpo humano e o poder.

- Hellen Kielermann

Alessandro e Eduarda disse...

Abordagem interessante sobre a farmacovigilância! Gostaria de acrescentar um fato à importância desse tema para o avanço científico relacionado, principalmente, aos fármacos; um pouco diferente do caso da heroína, a lidocaína é um fármaco com propriedade anestésica derivado da cocaína - uma substância psicoativa com grande propriedade anestésica, porém utilizada como droga recreativa - na qual a síntese foi benéfica, demonstrando o aperfeiçoamento científico em relação à origem de novos fármacos.
- Eduarda Benites

Alessandro e Eduarda disse...

O post ficou ótimo! Não conhecia as histórias e fui procurar um pouco sobre o caso da Hannah. Apesar da tragédia, o caso foi fundamental para nossa segurança com os medicamentos nos dias de hoje. Graças aos cuidados que os profissionais de saúde passaram a tomar desde então, muitas substâncias tóxicas usadas anteriormente, agora não são mais usadas, ou são utilizadas em doses seguras. Infelizmente, como em muitos casos na medicina, foi necessário ocorrer uma tragédia para que as coisas mudassem.
- Alessandro

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