Este artigo focaliza a articulação entre pesquisa biomédica e indústria farmacêutica com base nos estudos da tecnociência. Abordamos o caso do medicamento Intrinsa – adesivo de testosterona, cujo propósito é o aumento do desejo sexual em mulheres – examinando artigos que relatam resultados de ensaios clínicos, publicados em periódicos científicos. Buscamos demonstrar como a população visada pelos ensaios clínicos foi paulatinamente expandida de modo a englobar um número cada vez maior de mulheres, o que pressupôs rearranjos na maneira de definir as disfunções para as quais o medicamento seria indicado e as possíveis causas subjacentes. Foi possível identificar três caminhos de ampliação do mercado para o Intrinsa: o primeiro baseou-se na alteração do status de menopausa. A terapia com testosterona passou a ser vinculada também ao envelhecimento (incluindo, portanto, a pré-menopausa e a menopausa “natural”) e não mais exclusivamente à menopausa cirúrgica; o segundo focalizou a dissociação entre o uso do Intrinsa e a terapia com estrógenos; o terceiro buscou vincular o medicamento ao aumento de “bem-estar”.
Diante do assombroso sucesso de vendas do Viagra, as companhias farmacêuticas visaram novos mercados através da busca pela aprovação de medicamentos para outros “transtornos sexuais”, como a ejaculação precoce, as disfunções sexuais femininas, bem como o relançamento da menopausa masculina, renomeada como DAEM (Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino) (Faro et al., 2013; Fishman, 2003; Marshall, 2006; Rohden, 2011, 2012; Thiago, 2012; Tramontano, 2012). Ao mesmo tempo, é possível identificar nas publicações científicas um renovado interesse em relação à função sexual feminina (e, sobretudo, suas disfunções), com foco na fisiologia (Angel, 2012; Faro, 2008; Fishman, 2004). Na realidade, esse interesse aparece em meados dos anos 1990, antes mesmo de 1998.8 ECs com o sildenafil para o tratamento de disfunção da excitação em mulheres foram conduzidos pela Pfizer tão logo a autorização da agência reguladora norte americana foi obtida (Fishman; Mamo, 2001).
19Antes da conclusão dos ECs com mulheres, a Pfizer iniciou uma campanha não oficial para incentivar o uso off-label do sildenafil através da mediação de “líderes de opinião” (Fishman, 2004). Irwing Goldstein, um dos principais nomes da medicina sexual, e as irmãs Jennifer e Laura Berman, urologista e psiquiatra, respectivamente, foram escolhidos como “líderes de opinião” da Pfizer visando o mercado feminino. As irmãs atuaram tanto no meio médico quanto na grande mídia, e mesmo através de um livro de autoajuda (Cacchioni, 2015; Moynihan; Mintzes, 2010). Posteriormente, o resultado dos testes mostrou que o Viagra não diferiu significativamente do placebo para mulheres. Esse caso levanta o debate sobre a promoção de um medicamento através de “líderes de opinião” antes que qualquer EC tenha sido finalizado, apontando para os problemas éticos enfrentados no contexto de mercantilização da saúde.
Artigo: http://horizontes.revues.org/1450
Publicado por: Andressa Maciel, Ana Flavia Sagramento e Arthur Souza.
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